quinta-feira, agosto 20, 2009

VERBO FORTE


O verbo era forte e seu tempo ainda se conjugava no presente. Jogo pesado. Tinha que ter cacife para bancar. Muito know-how. Muita estrutura emocional para surfar nas ondas altas e se segurar nas vazantes das marés sem se deixar arrasar ou se arrastar. Engolir as derrotas, equilibrar-se nas instabilidades e flutuações. Driblar as correntes traiçoeiras, os arrecifes insuspeitos. Acautelar-se diante diante de icebergs revelando apenas uma pequena ponta de seus cumes gelados. A navegação seria sempre sem cartas náuticas e, ora sob um céu de luas crescentes e cheias, ora minguantes e vazias. Nas noites de frio e chuva, teria que apelar para o agasalho e proteção de uma boa bebida quente. Uma água ardente! Aquele, pensou, era um esporte como outro qualquer. Só que com variações arriscadas. Exigia habilidades extras, capacidade, talento, desinibição. E mais, como numa boa mesa de pôquer, sem parcerias, sem solidariedades. Cada um por si e Deus por todos. Tinha que ser uma excelente atriz e ter muito sangue frio, não demonstrar emoção ou medo ante as cartas confusas, mal embaralhadas, desalinhadas. Muito menos revolta ou desprazer. Pensou na adrenalina, na convulsão. Nas pernas fortes que teria que ter para se levantar rápido - e sozinha e sem nenhum cavalheiro para estender-lhe a mão e o chapéu! - nas horas das quedas bruscas, inesperadas, violentas. E se recompor mais rápido ainda, equilibrando-se com elegância no salto alto, olhando para a câmera a lhe dizer: - Sorria, meu bem, você está sendo filmada! Pensou nas regras tão novas e desconhecidas, seu domínio e suas possíveis armadilhas. No difícil repique. Sentiu-se descaradamente descrente. Impotente para cortar o vento com as mãos, fazê-lo parar ou mudar-lhe a direção. Lembrou-se de que tinha sangue quente e sentimentos complexos. Gostava do sonho, do encanto, do romance, da fantasia. Calculou os riscos com régua fina e milimetricamente precisa e desistiu ante a lâmina afiada demais, sob o constante fio da navalha! Apagou a luz, colocou a cabeça no travesseiro e murmurou baixinho: - Não sou morcego! Em seguida, num sobressalto, sentou-se no meio-da-noite-no-meio-do-escuro-no-meio-da-cama e gritou em alto e bom som para quem quisesse ouvir:


- NÃO-SOU-MORCEEEEGOOOOOOOO!!!!!!!!


E foi dormir. Porque era o melhor que tinha a fazer naquele momento!



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