quarta-feira, julho 22, 2009

SOB OS ESPAÇOS PROTEGIDOS

(kirsti Langeland)


Gosto de calendários. Sei exatamente o dia e a hora em que nasci, o signo solar que me rege e o ascendente que me governa frente ao dia a dia. É ele que me predispõe para a troca e esse contínuo movimento de tentar me expor com palavras, querendo a ressonância de volta.

Na ata do universo de mim mesma, traço as linhas de mortes e ressurreições. São dores e amores que vieram e se foram ao sabor de inesperados acontecimentos e deixaram suas marcas, indiferentes ao que eu pudesse pensar ou querer.

Meu corpo marca o tempo independente de minha vontade. Não tenho sobre ele absoluto controle. Sua autonomia vez por outra me incomoda. Mas não lhe ofereço resistência. Os ciclos lunares assim como chegaram numa bela tarde de verão de juventude, também partiram na meia idade, incendiando-me o corpo, sem retirar-me o sol, o suor e o desejo.

Pulso ao sabor das marés e me sinto ora plena para o abraço e o regaço, ora vazia e despreparada para o acolhimento do inóspito e indesejado.

Sou capaz de viver as quatro estações da vida num mesmo dia. De me sentir surpreendente nova como um broto abrindo seu olho sob a crosta aparentemente dura de uma árvore. Ou muito antiga como se estivesse em profunda comunhão com a memória das milenares pedras que sustentam uma montanha.

Como a lua, também tenho minhas fases que regem seu fuso por meio de desertos e oásis. Por sobre chuvas e calores abundantes. Maremotos e calmarias. Sempre imprevisíveis, apesar de minha audaciosa e sempre fugaz tentativa de controlar o absolutamente incontrolável.

Da duração da caminhada, nada sei. Me contento apenas com esse gesto de andarilha que aprecia o caminho, ainda que algumas vezes escorregadio e apesar de suas muitas encruzilhadas que me impõem escolhas, sem advertências quanto aos perigos e me exigem um constante aguçar dos sentidos.

Aprendi que de nada adianta continuar chorando por aquilo que não volta mais. Mas que se deve chorar o bastante para lavar a alma de todo luto e tristeza que, por ventura, resistiu em ficar. E, depois, é seguir adiante celebrando o êxtase de cada novo acontecimento pontuado de pequeninas felicidades.

Gosto desta ilusão de estrelas se movimentando no céu e confundindo-me os horizontes. Faz-me pensar o quanto ainda me movo pelo que nada sei, muito embora pense saber!

Abro-me em espirais diariamente como um caramujo que não para de crescer em sua geometria e encosta seu grande ouvido aos ouvidos do mundo para dele apreender os sussurros e dele se recolher quando a algazarra se mostra incompreensível ou assustadora.

Mais do que lançar-me para a frente, giro sobre mim mesma, lentamente me abrindo para as horas que nascem interminavelmente diante de mim. Sou uma concha canhota: magicamente habitada por pássaros, lebres, cervos, leões, lobos, cachorros, crocodilos, borboletas, árvores, raízes, sementes, flores, musgos, pérolas, pedras e muitas cabeças humanas!



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