terça-feira, julho 14, 2009

CARTA A UMA AGENDA PARA O MEDO


CG/RJ, 13 de julho de 2009



Caro Filósofo e Professor,


Ontem, ao assistir sua palestra pela televisão, fiquei sem saber se chorava ou se ria. A “ácida” viagem solitária que o senhor nos propôs logo de início - sem nenhuma pílula psicodélica gratificante - me deixou angustiada, num primeiro momento. No segundo tempo, fiquei atônita ante a possibilidade de só conseguir ver cadáveres, vermes e sepulcros, sem um vislumbre – mínimo que fosse – de sons, cores, perfumes e outras delícias de experiências táteis e gustativas! Felizmente sua voz me ancorou o tempo todo no “real”!

Já de algum tempo venho me decidindo a participar dessa festa que é a Vida com “trajes” os mais leves possíveis. É uma tática de (sobre)vivência que adotei. Uma tentativa de conseguir chegar um pouquinho mais longe e tentando ver um pouquinho menos do chão. Descobri que o riso e o bom humor são excelentes instrumentos para disparar essa leveza, sem reducionismos, à base de endorfinas. Então optei por rir muito durante sua palestra. Aliás, o senhor me pareceu um sujeito muito bem humorado. Naquela linha do humor negro, mas divertida! Acertei?

O Professor – permita-me chamar-lhe assim aqui - nos conduziu brilhantemente ao cerne daquilo que inexoravelmente somos: um enigma, ainda que "em ruínas"! Uma consciência facilmente danificável, amendrontada, em seu estágio experimental de compreensão acerca de si mesma, de suas fragilidades e deste Universo, que não é – nas suas palavras - o seu (da consciência) berço.

E eu que acreditava ser um sintoma do Universo!

Sim, porque, como diz Alan Watts, “não viemos para esse mundo, saímos dele”. E interroga: “O que você pensa que é? Se este mundo fosse uma árvore, você seria as folhas em seus ramos? Ou você é um passarinho pousado numa árvore morta?” Ou seja, pelo que entendi e comungo como tese de vida, a natureza é um útero grávido gerando toda sorte de “coisas”: gafanhotos, montanhas, estrelas, planetas, galáxias, vermes, vagalumes, rios, mares, golfinhos, baleias, frutos, sementes, borboletas, minhocas e... pessoas, seres humanos!

Esse sentimento de “pertencer” ao Universo muda bastante o nosso estado de angústia, pelo menos o meu. Pode até ser um mito, uma fabricação ilusória muito confortável, mas, com certeza, também, menos enlouquecedora. Prefiro essa idéia. Acho-a bem mais “real”. Me tira daquela zona de sofrimento de me sentir apenas um saco de pele consciente e perambulando perdida num mundo completamente sem sentido, incompreensível, inóspito e estranho e ao qual não pertenço! Aliás, não será esta crença responsável pela devastação ecológica por que passa nosso Planeta atualmente? De que não fomos por ele gerados? De que viemos de fora, numa mistura de deuses e astronautas, dispostos à conquista e colonização do Planeta? E nos utilizando de todo tipo de “armas hostis”? “Numa batalha vis à vis com o mundo fora de nós”, nas palavras do mesmo Alan Watts?

Acho que foi por isso que gostei tanto quando ouvi-o dizer que somos uma poeira, um fragmento cósmico molecular como uma pedra consciente. Senti-me mais cúmplice e íntima com este Universo regido por um permanente processo de mortes e renascimentos.

O senhor colocou muito bem a questão do nosso medo atávico e ancestral do qual não consegui(re)mos nunca nos libertar na condição de sermos um animal atormentado porque ainda não conseguiu responder às perguntas básicas: “De onde vim, para onde vou e por que estou aqui?” E por essa razão nos “agarramos” a algumas coisas na tentativa de nos fragilizarmos menos. Nas suas palavras ainda: “um animal que tem mais consciência do que devia”.

Fiquei aguardando ansiosamente que nos fornecesse uma luz para saber quando começaríamos nosso processo de “cura” deste medo ou saída deste poço sem fundo, sempre em vertiginosa queda livre e, aparentemente, sem nenhuma mola no fundo! E aí apon(r)tou-se a idéia do naufrágio: começaríamos a sair do buraco quando percebêssemos nossa experiência de náufragos jogados numa ilha. Ufa, foi um alívio! Pela primeira vez me vi dentro daquele filme “O Náufrago”, de Tom Hanks. E fiquei esperançosa; pelo menos ali o ator, injustamente, não ganhou o Oscar, mas o personagem alcançou a salvação!


Na sequência de tomada de consciência, foi muito desconcertante, ainda, me perceber fazendo parte de uma cadeia alimentar, sendo predador(a) e depredadado(a); vampirizador(a) e vampirizado(a). Já tinha percebido que o tempo faz isso comigo muito bem! E de uma forma bem sexy e graciosa! E deselegante também - sem cerimônias e consentimentos! O que não me impede de considerar isso uma injustiça!

Confesso que, como V. Sa., também sinto uma inveja enorme dos bois: aquele olhar de mansidão perdido, ruminando no pasto, alheios a tudo, sem saber o que o destino lhes reserva. Será que os inconscientes, anestesiados, drogados, enlouquecidos e os que vivem sob o mormaço da vida, sem conhecerem as próprias sombras ou a própria luz têm mais paz de espírito e são mais felizes? A ignorância e inconsciência é uma bênção? Ou maldição?

Também tenho em casa uma cadela. Chama-se Gaia – uma pastora canadense branca e linda que pertence a minha filha. Seus olhos faíscantes me transbordam todas as doçuras do mundo e me transmitem toda a paz de que necessito, principalmente quando me sinto assustada e com medo da vida e as palavras me chegam inúteis! Ela é minha “terapeuta” de todas as horas: me compreende em silêncio, me ouve sem acusações e se coloca sempre disponível, a qualquer momento do dia ou da noite! Sem me cobrar nada em troca! Desconfio que ela tem, surpreendentemente, uma “porção humana!”

Fiquei extremamente feliz quando, lá pelo meio da interessante palestra, o senhor disse que o Ernst Becker havia voltado a acreditar em Deus e retornado ao Judaísmo. O filho dele nascera e ele descobrira que aquela era uma “pedra” viva que se mexia, produzia sons, tinha cheiro, comia, arrotava, fazia xixi e cocô e interagia com seu meio ambiente! Pensei: Oh, Meu Deus, que bom! Nem tudo está perdido! Afinal ele (o Becker) descobriu que a transcendência é algo possível – e imanente - ao Humano. É também um bom sinal de que precisamos fazer - e dar e receber! - mais amor. E, talvez, quem sabe, de quebra, mais filhos, apesar de o mundo já estar muito superpovoado!

Minha vida, como a de muita gente que eu conheço, é feita de pequenos heroísmos cotidianos e sem (pedir) aplausos ou condecorações, a não ser o meus, claro! Me parabenizo todos os dias não só por estar viva, mas com disposição para encarar a faina de cada dia. Me aplaudo por não abrir mão de ter sonhos e lutar para que eles se materializem. E já que não sei de onde vim, nem para onde vou; já que Adão e Eva comeram a maçã para tentar decifrar este enigma e foram expulsos do Paraíso; já que Sócrates foi condenado a beber cicuta por “incendiar” a mente dos jovens; já que Platão e Aristóteles só tiveram intuições nada comprovadas; já que a maçã, agora já no século XVII, desacompanhada da serpente e da mulher e nas mãos do endeusado Newton e os “Iluminados” do século XVIII e toda a horda científica que se seguiu depois deles, dissolvendo a matéria, fazendo dançar a energia num salto quântico no tempo e no espaço - apostando na ciência como instrumento de salvação do homem e explicação do mundo e do Universo - só conseguiram atear mais lenha na fogueira medieval que aí está... sigo minha vida aproveitando o intervalo – o aqui e agora – este presente cuja eternidade e impermanência é a única coisa que conheço e da qual posso escolher (será?) desfrutar com gozo, dignidade e prazer de viver! Será que vou ser recompensada no pós-final?

Fomos condenados inexoravelmente a vivermos fora do Paraíso, mas não necessária e obrigatoriamente a perdermos nossa alma ao habitarmos esse lado avesso da Vida onde o pior ladrão é aquele que rouba nossos sonhos! Nessa estou com Diógenes: “Não me tires o que não me podes dar!”

Aguardei o final ansiosamente, acreditando que viria uma seqüência de perguntas de uma platéia ávida por debater as idéias suscitadas. Mas tudo acabou como uma sessão de terapia lacaniana: um corte abrupto e só a(s) pergunta(s) no ar! As reflexões ficaram como nosso dever de casa. Fiquei um pouco desapontada e me sentindo um tanto ou quanto “estranha” e desconfortável nesta “pele nova” que descobri mas... como em todo processo terapêutico (no caso, filosófico), faz parte do contexto, não é verdade? Estou aproveitando, então, agora para fazer a minha lição de casa, refletindo sobre tudo que ouvi e escrevendo esta pequena carta, que nunca será mandada. Ela foi escrita, em primeiríssimo lugar para mim mesma. E para meus “fantasmas” e “vilões” internos que me assaltam, vez por outra, diante de minha contemplação frente ao implacável deus Chronos. O vocativo no ínicio é apenas um mero exercício de minhas fantasias. A presente vai acompanhada de um afetuoso muito obrigada e sem nenhum pesar pelo inevitável medo que a tomada de consciência, em alguns momentos, me despertou!

Estou como no início dessa escritura: num passeio socrático pelos sagrados territórios da consciência daquilo que sou, da Vida e do Universo. Com as mesmas mãos inicialmente vazias e a alma nua, na linha do “Tudo que sei, é que nada sei”. Sem respostas e com muitas perguntas. E algumas até bem tolas!

Talvez meus “filtros emocionais” não me tenham permitido entender nada de sua palestra. Talvez tenha entendido muito pouco. Ou, talvez quem sabe, afortunadamente, tenha captado tudo em sua inteireza! De qualquer forma, obrigada por ter me proporcionado esta reflexão.


Cordiais Saudações


Maria Helena


OBS.: Palestra disponível no site: http://www.cpflcultura.com.br/video/integra-agenda-para-medo-luiz-felipe-ponde

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